quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Grandes Expectativas para o sucessor de Lula

Financial Times - John Paul Rathbone e Jonathan Wheatley

O Brasil é um país feliz –ou ao menos é o que muitos acreditam. De fato, o talento do futebol do país, o êxtase coletivo de seus carnavais, sua herança multirracial e, é claro, aqueles biquínis minúsculos, todos fazem parte do imenso poder “soft” do Brasil. Some a isso uma economia que está crescendo rapidamente e os brasileiros podem –segundo Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente em fim de mandato do país– reivindicar ser o povo “mais feliz e mais criativo” do mundo.
Há certa verdade nesse orgulho. Às vésperas de eleições presidenciais que deverão conduzir ao poder a candidata apoiada por Lula, aparentemente a situação nunca esteve tão boa para o Brasil. Apesar de ainda marcado por grande desigualdade social e crime violento, ele é uma das famosas economias Bric –Brasil, Rússia, Índia e China– que estão mudando a ordem internacional. A oferta de ações de US$ 67 bilhões da Petrobras, a estatal do petróleo, na semana passada, foi a maior do mundo e apenas a mais recente expressão do poder financeiro emergente do Brasil. O país já é um importante centro regional para formação de capital; a previsão é de que até 2025 ele seja uma das cinco maiores economias do mundo.
No passado, as eleições brasileiras costumavam ser catalisadoras de crises financeiras –e a postura blasé de muitos investidores em relação à votação de 3 de outubro é um sinal, para Jim O’Neill, o economista do Goldman Sachs que cunhou a sigla Bric, de que “as pessoas podem agora estar se empolgando”.
Todavia, na política externa, um antigo figurante agora é um sério candidato para um assento permanente no conselho de segurança da ONU. Em questões como o Irã, Brasília também buscou –apesar de não totalmente bem-sucedida– exercer um papel de mediadora internacional. E como sede da próxima Copa do Mundo de futebol e, em 2016, dos Jogos Olímpicos, o Brasil chegou de forma confiante ao palco global.
Como muitos de seus vizinhos latino-americanos, o Brasil nunca careceu de promessa –ou decepção. A pergunta agora é se desta vez é realmente diferente.
A julgar pela reação dos investidores, acadêmicos e muitos brasileiros, é. Outros se mostram mais cautelosos. Para Luis Alberto Moreno, chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento, os maiores riscos enfrentados pelo Brasil são “complacência e excesso de confiança”.

Por ora, os otimistas parecem estar em vantagem. Os investidores estrangeiros que pagaram pela oferta da Petrobras, na semana passada, injetarão aproximadamente US$ 50 bilhões adicionais no país neste ano. Uma enxurrada de livros recentes celebra a “chegada” do Brasil e sua maior autoconfiança. Enquanto isso, Lula, cujas raízes de esquerda estão no movimento sindical, deverá deixar o palácio presidencial com um índice de aprovação de 80% –um endosso notável de um país que passou pela crise financeira global praticamente ileso e viu mais de 30 milhões ingressarem na classe média em cinco anos.
Dilma Rousseff, a ex-ministra da Casa Civil que parece que vencerá com facilidade a eleição, tem concorrido com a promessa de mais do mesmo. Uma ex-diretora da Petrobras, a tecnocrata austera –às vezes apelidada, de forma previsível, de “Dama de Ferro”– acredita firmemente no poder de um Estado atuante. A capitalização da Petrobras, que ele ajudou a planejar, aumentará o poder do governo sobre a empresa. Rousseff também é responsável por uma série de programas de investimento em estradas, portos e ferrovias, em parte financiados por bancos estatais, desesperadamente necessários pelo Brasil para melhorar sua infraestrutura dilapidada. Eles estão em andamento, mas, atrapalhados pela burocracia, não no ritmo que muitos imaginavam ou esperavam.
Seu maior adversário político, José Serra, o governador centrista de São Paulo, não tem conseguido avançar com uma plataforma que parece ser uma versão mais enxuta, mais eficiente, das políticas voltadas para o social de Lula. De fato, as pesquisas mostram que em todas as classes os brasileiros estão em grande parte felizes com suas vidas e acreditam que ela até melhorará.
Em vez disso, os maiores desafios diante de Dilma estão nas entranhas sociais e econômicas mais profundas do país. Apesar de seus sucessos, o Brasil permanece de muitas formas um país altamente desigual, que está gastando além do que ganha. Apesar de a pobreza ter caído em um terço durante a última década, mais de um quinto dos 200 milhões de habitantes do Brasil ainda são considerados oficialmente pobres. A dívida pública caiu, mas o país ainda depende de reservas estrangeiras para poder financiar a si mesmo. Apesar do boom de exportação de commodities, a previsão é de que seu déficit em conta corrente neste ano seja de 3% do produto interno bruto. Ele poderá aumentar no próximo ano.
A violência que ainda atormenta suas infames favelas torna o Brasil um local ainda mais perigoso do que o México afligido pelo narcotráfico. Álvaro Uribe, o ex-presidente da Colômbia, é apenas uma das várias figuras regionais importantes que acreditam que o Brasil está dando “atenção insuficiente” ao consumo doméstico de drogas e à criminalidade relacionada. Pela experiência de seu próprio país nos anos 90, e a do México atualmente, ele aponta que “é um risco deixar de enfrentar o problema do narcotráfico”.
Enquanto isso, a ascensão extraordinária de Lula de engraxate a presidente tem projetado a imagem do Brasil como uma terra de promessa e mobilidade social. Mas como tantas histórias americanas, ela é parte mito. “No exterior, Lula se transformou em um símbolo de uma terra de oportunidade, onde o pobre pode chegar lá”, diz Fernando Henrique Cardoso, presidente por dois mandatos antes de Lula. “Isso não é realmente verdade.” O Brasil, apesar de seus recentes sucessos, continua sendo o 11º país mais desigual do mundo.
Em outros lugares, tamanha desigualdade poderia levar a um conflito civil aberto. Mas a generosidade dos brasileiros, sua predileção pela tolerância e conciliação –ou complacência, como dizem alguns críticos– têm afastado uma maior violência. “De que outra forma seria possível explicar o fato de não haver uma guerra constante no Rio de Janeiro, onde os moradores muito pobres das favelas convivem lado a lado com os super-ricos”, diz Julia Oliveira, uma consultora de administração.
Essa complacência também é o calcanhar-de-aquiles da economia brasileira. O país aspira ser uma potência global, mas para chegar ao próximo nível, argumentam os analistas, ele precisa passar para um novo patamar de desempenho econômico, um focado em fornecer melhores serviços públicos –não apenas mais– especialmente na educação.
O Estado, famoso por sua ineficiência e burocracia, também precisa ser reduzido. Um corte nos gastos públicos, por exemplo, aumentaria a poupança nacional e limitaria a dependência do país de capital estrangeiro. Isso o imunizaria de contágio financeiro em caso de piora da economia global. Sem isso, diz Neil Shearing, um analista da Capital Economics, o Brasil corre o risco de voltar ao padrão de boom e estouro do passado, com bons anos “pontuados por recessões causadas pela interrupção repentina do fluxo de capital”.
Há quase 70 anos, o romancista Stefan Zweig escreveu que o Brasil era “o país do futuro”. Esse otimismo está refletido na psique nacional –apesar dos rostos estressados dos trabalhadores urbanos nas ruas movimentadas de São Paulo sugerirem o contrário. A frase de Zweif acabou se transformando em slogan, depois em um clichê e finalmente em uma impossibilidade para os brasileiros –praticamente um “estigma e vaticínio”, nas palavras do escritor brasileiro Alberto Dines.
Mas graças às reformas econômicas implantadas por Fernando Henrique Cardoso, quando foi presidente de 1994 a 2002, as fundações para a estabilidade econômica do país foram estabelecidas. Nos oito anos seguintes, apesar dos recorrentes escândalos de corrupção, as políticas sociais de Lula ajudaram a deixar o país mais à vontade consigo mesmo. Estas eleições são as primeiras desde 1982 em que nenhum dos dois está concorrendo.
Eles deixam para trás um país mais próspero e socialmente coeso do que, supostamente, jamais foi – e uma provável presidente, Dilma Rousseff, que promete manter as políticas necessárias para manter essa estabilidade econômica. O país tem um setor privado próspero e três quartos dos brasileiros dizem acreditar na economia de mercado, segundo uma pesquisa do Centro Pew, em comparação a menos da metade dos mexicanos e argentinos. Tudo isso cria uma plataforma que sugere que o recente desempenho do país será mais do que fogo de palha –mesmo com o Brasil sem dúvida sendo um beneficiário felizardo do boom de commodities e da abundante liquidez global, condições que não durarão para sempre.
Em comparação com outros países Bric, o Brasil poderá nunca alcançar, digamos, a capacidade da China de executar iniciativas estratégicas ambiciosas no ensino ou tecnologia. Ele também precisa realizar mais reformas para elevar sua tendência de taxa de crescimento, de aproximadamente 4% agora. Ao mesmo tempo, ele carece de muitos dos outros problemas estruturais dos Brics, seja as divisões religiosas da Índia, o autoritarismo chinês ou as relações ambivalentes da Rússia com o Ocidente. A história de seus imigrantes também o deixa com abertura para ideias estrangeiras e a capacidade de adotá-las rapidamente.
De fato, uma delas pode ser lida no encosto de cada assento de voos domésticos da TAM, a maior companhia aérea do país: “Brasil: a 5º maior economia do mundo em 2025”. Para os brasileiros que se beliscam diante da ideia, diz muito o fato da declaração ser creditada à revista “The Economist”. O restante parece feliz –críticos como FHC dizem “anestesiado”– com a relativa prosperidade do status quo.
“O Brasil poderia ser de outra forma”, diz um brasileiro que trabalha como principal economista de um grande banco ocidental em São Paulo. “Mas então não seríamos o Brasil. Nós seríamos a Suíça (...) e isso não seria divertido.”
Crescimento nas margens
Ao longo da última década, a economia do Brasil cresceu em média 3,5% ao ano, quase o dobro da média da década anterior. O país pode estar mais feliz, mas também está mais gordo. Quase metade de todos os homens e 48% das mulheres estão acima do peso, em comparação a apenas 19% dos homens e 28% das mulheres nos anos 70.
Todavia, o ethos do “corpo é belo” permanece de outras formas. Os brasileiros escovam seus dentes, em média, mais do que qualquer outro, e consomem mais desodorante per capita do que os Estados Unidos –apenas dois motivos para as empresas de bens de consumo internacionais considerarem o mercado brasileiro tão importante.
Cultura de negócios - Um espírito de aventura nascido das fazendas e navegadores portugueses
A história é destino? As origens daquilo que muitos empresários reconhecem ser talentos particularmente brasileiros podem ser traçadas à corrida, no final do século 15, entre Espanha e Portugal para exploração do novo mundo.
Os dois países estavam à procura de uma rota marítima para a Ásia, diz o professor Alfredo Behrens da Fundação Instituto de Administração, em São Paulo. Os portugueses encontraram uma e se tornaram mercadores. Os espanhóis encontraram a América e se tornaram conquistadores.
Os portugueses também encontraram o Brasil, mas praticamente o ignoraram até se tornar sua única possessão além-mar, após perderem suas rotas comerciais asiáticas para os holandeses.
“Eles tiveram que se concentrar no Brasil”, diz o prof. Behrens. “Na época eles eram mercadores. Eles sabiam como negociar. Eles tinham jogo de cintura. Isso é o que torna os brasileiros diferentes dos outros latino-americanos.

Ele também traça outras características brasileiras ainda mais para trás, até a expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica durante a Idade Média e a subsequente queda na população. Isso criou uma cultura de agricultura de baixa densidade, em vez de uma agricultura de alta densidade, traduzida na América Latina na forma de enormes plantações controladas por alguns poucos donos de terras ricos, e trabalhadas por séculos por milhões de escravos africanos.
Os ecos dessa hierarquia –e o resultante distanciamento e falta de confiança– perduram no local de trabalho, ele diz. “Isso leva a um personalismo que tenta passar por cima desses processos, onde a pessoa tenta fazer amizade com o chefe e ao ‘jeitinho’, além de um espírito de aventura que significa que as pessoas podem ficar onde estão por algum tempo, mas estão sonhando com coisas maiores.”
E isso, ele diz, cria uma cultura de negócios com a qual os estrangeiros às vezes têm dificuldade em lidar: um banqueiro britânico me disse que era como “tentar guiar um rebanho de gatos”.
Também é uma cultura que promove a criatividade e o empreendimento. Rolf Steiner, o chefe regional da Swiss Re em São Paulo, trabalhou anteriormente na Itália e diz ter ficado encantado com a atmosfera de abertura e criatividade nos escritórios brasileiros da resseguradora, após o ambiente de negócios mais conservador que ele encontrou na Itália.
É o tipo de comentário ouvido em muitos setores. Tarek Farahat, presidente-executivo da Procter & Gamble no país, considera os executivos brasileiros entre os mais talentosos dentre as operações globais da empresa.
Mas um dos exemplos mais famosos do empreendimento brasileiro no exterior –a Anheuser-Busch InBev, a maior cervejaria do mundo, criada e dirigida por brasileiros– é uma exceção que comprova a regra, diz o prof. Behrens.
“Os brasileiros são melhores negociadores do que nossos vizinhos latinos”, ele aponta. “Mas isso não significa que não tenhamos conquistadores.”
 
Tradução: George El Khouri Andolfato

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