segunda-feira, 25 de abril de 2011

Pacientes não são consumidores




Esta semana, o The Times mostrou a reação do Congresso contra o Comitê Independente de Aconselhamento de Pagamentos, uma parte fundamental das iniciativas do governo para restringir os gastos com o sistema de saúde. Essa reação era previsível; além de ser profundamente irresponsável, como explicarei logo mais.

Mas outra coisa me chamou a atenção enquanto eu observava os argumentos republicanos contra o comitê, que estão fundamentados na ideia de que o que, de fato, precisamos fazer, como coloca a proposta de orçamento da Câmara, é “tornar os programas de saúde do governo mais adaptáveis à escolha do consumidor.”

Eis minha questão: como é que se tornou normal, ou até mesmo aceitável, referir-se aos pacientes médicos como “consumidores”? A relação entre paciente e médico costumava ser considerada algo especial, quase sagrado. Agora os políticos e supostos reformistas falam sobre o ato de receber cuidados médicos como se não fosse algo diferente de uma transação comercial, como comprar um carro – e sua única reclamação é que ela não é comercial o bastante.

O que deu errado conosco?

Em relação ao comitê de aconselhamento: precisamos fazer alguma coisa em relação aos gastos da saúde, o que significa que precisamos encontrar uma forma de começar a dizer não. Em particular, dada à contínua inovação médica, não podemos manter um sistema no qual o Medicare paga praticamente por qualquer coisa que um médico recomendar. E isso é verdade especialmente quando a abordagem do cheque em branco é combinada com um sistema que dá aos médicos e hospitais – que não são santos – um forte incentivo financeiro para oferecer cuidados excessivos.

Daí a importância do comitê de aconselhamento, cuja criação foi determinada pela reforma da saúde do ano passado. O comitê, composto de especialistas da saúde, trabalhará com uma taxa máxima de crescimento dos gastos do Medicare. Para continuar gastando nesse nível ou abaixo dele, o comitê oferecerá recomendações rápidas para controlar os gastos, que entrarão em vigor automaticamente a menos que sejam rejeitadas pelo Congresso.

Antes que você comece a gritar sobre “racionamento” ou “painéis de morte”, tenha em mente que não estamos falando em limitar os tipos de planos de saúde que você pode comprar com o seu dinheiro (ou com o dinheiro de sua seguradora). Estamos falando apenas sobre o que será pago com o dinheiro dos contribuintes. E pelo que eu me lembro, a Declaração de Independência não diz que temos direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade com todas as despesas pagas.

O ponto é que algumas escolhas precisam ser feitas; de uma forma ou de outra, o gasto do governo com a saúde precisa ser limitado.

Agora, o que os republicanos da Câmara propõem é que o governo simplesmente empurre o problema do aumento dos gastos com a saúde para os mais velhos; ou seja, que substituamos o Medicare por vales que podem ser usados nos planos de saúde privados, e que deixemos que os cidadãos mais velhos e as companhias de planos de saúde resolvam isso de alguma forma. Isso, segundo eles, seria melhor do que a revisão dos especialistas, porque abriria o sistema de saúde para as maravilhas da “escolha do consumidor”.

O que há de errado com essa ideia (além do valor totalmente inadequado dos vales propostos)? Uma resposta é que isso não funcionaria. A medicina “baseada no consumidor” tem fracassado em todos os lugares em que foi adotada. Para usar o exemplo mais diretamente relevante, o Medicare Advantage – que foi originalmente chamado de Medicare + Choice – deveria poupar dinheiro, mas acabou custando bem mais caro do que o Medicare tradicional. Os EUA têm o sistema de saúde mais “orientado ao consumidor” do mundo desenvolvido. Também têm de longe os maiores gastos, embora sua qualidade não seja melhor do que a de sistemas bem mais baratos em outros países.

Mas o fato de que os republicanos estejam querendo que nós literalmente apostemos nossa saúde, e até nossas vidas, numa abordagem já fracassada é apenas uma parte do que está errado aqui. Como eu disse antes, há algo terrivelmente errado com toda essa noção de pacientes como “consumidores” e do sistema de saúde como uma simples transação financeira.

A assistência médica, afinal de contas, é uma área em que decisões cruciais – de vida e morte – devem ser tomadas. Mas tomar essas decisões de forma inteligente requer uma vasta quantidade de conhecimento especializado. Além disso, essas decisões normalmente precisam ser tomadas sob condições nas quais o paciente está incapacitado, sob estresse severo ou precisa de ação imediata, sem tempo para discussão, quanto menos para comparação de preços.

É por isso que temos a ética médica. É por isso que os médicos são vistos tradicionalmente como algo especial e esperamos que eles se comportem de acordo com padrões mais altos do que um profissional comum. Há um motivo para termos tantas séries de TV sobre médicos heróicos, enquanto não temos nenhuma série de TV sobre sub-gerentes heróicos.

A ideia de que tudo isso possa ser reduzido ao dinheiro – de que os médicos são apenas “fornecedores” vendendo serviços para “consumidores” de saúde – é, na verdade, doentia. E a utilização desse tipo de linguagem é um sinal de que alguma coisa deu muito errado não só com essa discussão, mas com os valores da nossa sociedade.
Paul Krugman

Paul Krugman

Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008

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