Imagine o quão violento é para uma sacerdotisa de quase 90 anos
ter seu terreiro interrompido por quem deveria proteger seu direito de fé.
Um dos templos de umbanda mais antigo de Diadema, o Terreiro Vó
Maria de Aruanda, fundado e conduzido por Mãe Corina, tem vivido dias
assustadores desde o último 14 de janeiro, quando a festividade foi
interrompida pela guarda municipal que ao invadir o terreiro ordenou que fossem
encerrada a cerimônia, por volta das 21h. A rua foi tomada por viaturas que
adentraram o pequeno terreiro, na região central da cidade, alegando que o
templo infringia a , popularmente conhecida, lei do psiu.
"Eles não deixaram a gente tocar, anotaram todos as placas
de carros para dar multa. Falaram que a gente estava tocando acima do decibéis
e que a houve denúncias". Explicou Dani Amorim, filha de santo da casa que
completou: "Minha avó tomou um grande susto, porque a gente estava no meio
da festa, os orixás 'em terra', e as pessoas tiveram que sair correndo..."
Há mais de 60 anos, Mãe Corina mantém suas portas abertas para a
prática da umbanda sagrada. Conhecida e respeitada por toda comunidade do
entorno e pelas centenas de terreiros de Diadema, aos 86 anos de idade, a mãe
de santo se assustou com a forma violenta e arbitrária com que a guarda
municipal exigia o silenciamento de seus atabaques. Recentemente, ela
atravessou um grave problema de saúde, ficando impossibilitada de andar por
quase um ano, a melhora aconteceu graças à Iemanjá, seu orixá e aos guias de
luz do terreiro.
"Eu também estou com medo porque ontem (30/01) nós
estávamos decorando o terreiro, em silêncio, em respeito aos orixás. A gente
vai fazer a festa de Iemanjá em agradecimento a saúde da minha avó. Minha avó
ficou um ano sem andar, e hoje ela já está andando e 'trabalhando' com o
caboclo dela, mas ontem parou GCM na frente da nossa casa de santo, e ficaram
anotando um monte de coisas. Eu me senti ameaçada, porque eu precisava ir
embora por volta da meia noite e dá medo de sair na rua de branco". contou
Dani Amorim
Em tom de ameaça, os guardas municipais são enfáticos ao dizerem
que o problema é com o barulho dos tambores do Terreiro de Vó Maria de Aruanda
e qualquer que seja o horário, se os tambores tocarem e a vizinhança acionar a
GCM, o culto será interrompido, o que explicita que a atuação do município é
descaradamente intolerância religiosa, uma vez que não há sequer relato de
outros seguimentos terem suas práticas interrompidas por, por exemplo
utilizarem microfones e aparelhos de som durante seus ritos de pregação e
cantos de louvores.
Ao saber do ocorrido, membros de diversos movimentos
pró-direitos de fé dos povos de terreiros se colocaram indignados e prontos
para a luta contra os abusos intolerantes protagonizados pela segurança pública
da cidade, Cássio Ribeiro, presidente da FUCABRAD - Federação de Umbanda e
Cultos Afro-Brasileiros de Diadema, publicou nota em seu perfil das redes
sociais e questionou: "Até quando uma senhora tão cheia de amor, ternura e
de fé, será constrangida e perseguida? A GCM faria isso em um culto evangélico?
Colaria um pastor sob a mira de armas?"
Josa Queiroz, membro da FUCABRAD e vereador em Diadema, convocou
o comando da GCM de Diadema para uma audiência pública a fim de propor um
dialogo entre a prefeitura e o povo de terreiro da cidade para que sejam
respeitados e não tenha o direito de expressão de fé cerceado pelo município. O
ato acontecerá na próxima terça-feira, 07/02 às 17h, na Câmara Municipal de
Diadema.
É de extrema importância que a prefeitura de município se
coloque diante do ocorrido e garanta o exercício de fé da comunidade vitimada
pela intolerância institucionalizada. Diadema é uma cidade de tradição,
conhecida nacionalmente pela sua atuação no enfrentamento a intolerância
religiosa, onde o saudoso Toy Francelino de Xapanã protagonizou e impulsionou
grandes feitos pelos direitos dos povos de terreiro, tornando-se referência na
luta.
A atuação da GCM revela Diadema como uma cidade intoleranteque
regride a tempos de silenciamento e marginalização das práticas religiosas
afro-brasileiras. Uma cidade que ao invés de proteger, permite que sua guarda
municipal agrida a moral de uma sacerdotisa de quase 90 anos de idade e que há
60 atende a comunidade com cuidados religiosos e ações comunitárias como
entrega de alimentos, entre outras. É inadmissível que a quarta cidade mais
negra do país não respeite a herança africana em sua terra, e não consiga aprender
com griots como Mãe Corina a importância de se respeitar as diferenças e
garantir a boa convivência em sociedade.
Texto e Fotos: Roger Cipó © Olhar de um Cipó - Todos os Direitos Reservados /
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